Mesmo sentada na arquibancada no lado oposto da sala de desfiles na hora da apresentação da Cia Marítima, sem reconhecer nenhum rosto sequer na plateia, é possível identificar o cabelo à la Marilyn Monroe da drag queen Salete Campari. Terminado o desfile, ela, em um só fôlego, pega o melhor amigo pela mão, passa o outro braço pelas costas do repórter, grita o nome de mais umas três pessoas que estão em volta e dispara rumo ao sofá mais próximo.
Refestelada no móvel feito uma gata manhosa (seu vestido é de tigre e os sapatos são de onça), ela abre a bolsa (também de tigre) e depois de abrir cada um de seus três celulares, finalmente encontra qual estava tocando. “Aloah! Fulano, sobe aqui que vai rolar baladinha” – a música do lounge da Marie Claire estava audível de longe. A conversa continua.
Salete está presente em todas as edições da SPFW. E, desta vez, logo no primeiro dia do evento, ela falou o que alguns estavam morrendo de medo de dizer: “Estou achando tudo isso aqui muito parado”, sentencia. “Amanhã é que vai estar bom: vai ter Paris Hilton.” Gosta da Paris? “A-DO-RO! Ela é devassa.” As duas divas até já se encontraram pessoalmente. Salete ganhou um presente. “Mas só ganhei o presente. Não entendi nada do que ela falou, não sei falar inglês”, lembra. O presente foram dois dos perfumes que a ricaça lançou. “Eu gosto”, conta uma Salete pouco entusiasmada. “Mas prefiro o Chanel nº 5″. Lógico: o perfume evoca suas maiores divas. “Eu sou toda Marilyn Monroe, Coco Chanel.”
Desfile | Sim, havíamos acabado de sair de um desfile. “Gostei, mas não é o tipo de roupa que eu usaria.” Não é exatamente fácil para uma drag queen usar um biquíni. “A minha moda praia é um maiô de miss”, brinca. Nesse caso, ela estava mais para Rosa Chá do que para Cia Marítima. “Claro. Adoro Alê [Herchcovitch]. Somos superamigos.”
Requisitada | Toca o telefone de novo. Ela mostra a tela o celular com uma mensagem de texto e diz: “Olha, vê se eu posso? Mais uma festa, amanhã.” Vai? “Claro. A minha vida é uma festa!”
Look | Além da África inteira estampada no vestido, sapato e bolsa, Salete veste um par de meias arrastão (com um quase imperceptível remendo em uma das panturrilhas). O repórter pergunta: “Meia arrastão é tendência?” E Salete anuncia: “Eu sou toda arrastão, querido.” Olha o perigo: “Mas arrastão com Elza, Salete ['Elza' é uma gíria gay para 'roubo', 'dar/fazer a Elza']“. “Nada de Elza por aqui! Mas hoje eu estou até básica.” Como assim, básica com vestido de onça e meia arrastão? “É que isso é básico de Salete. Eu sou toda reluzente. Gosto de ser ofuscante” (faltou citar os cristais dos três braceletes que ela estava usando).
Deuses | Escolha dura para qualquer LGBT: Madonna ou Lady Gaga? Meio segundo depois da pergunta: “Lady Gaga. Aaaaaaaaaaamo.” (O ‘amo’ durou uns dez segundos.) “Tudo de bom ponto com ponto BR.” No pescoço, um pingente drag queen size (inventei isso agora) com a imagem de uma santa. “É Nossa Senhora de Salete”, catequiza. Ué, virou santa? “Ainda não. Essa daqui já é divina. Eu só corro atrás.” Um dia, quem sabe, né, Salete? “Que Deus te ouça – mas o papa não.” O maior sonho: “Ganhar o Oscar.”
Para cima | Apesar de achar o dia meio sem graça (um desconto: o evento começou bem em uma quarta-feira), Salete gostou do tema, ‘Anima’. “Eu sou para cima. A minha vida é uma festa.” Mas há momentos de tristeza em sua vida: “Fico triste quando vejo gente morando embaixo da ponte, quando vejo terremoto acabando com tudo, quando vejo não-sei-quantas travestis sendo mortas por crime de ódio, quando vejo a política brasileira”, enumera. Ela também não é Salete 24 horas por dia. “Meu nome de homem é Sales”, explica. “‘Campari’ é por causa da minha cunhada, que tomava Campari no almoço. Eu achava muito chique”, ri. “Mas nunca quis ser mulher. Mulher é sagrado. Travesti é apenas um homem com alma feminina.” E termina: “Quando eu não souber mais diferenciar a Salete do Sales, a brincadeira terminou.”
Toca o telefone mais uma vez. “Aloah? Menino, espera aí, já estou indo. Estou dando entrevista para um repórter bonitinho aqui. Beijos, querido.” Beijos, Salete.
Nenhum comentário:
Postar um comentário